sábado, 29 de agosto de 2015

O Brasil de Gógol

Agradeço imensamente ao professor Dr. Sydney Hartz Alves (professor da UFSM e paraninfo de minha turma), por esta generosa colaboração com este Blog e torço para que venham muitas mais. As colaborações são muito importantes.
 
 
O Brasil de Gógol

 

Nikolai Gógol
                Nikolai Gógol, escritor russo do século XIX (1809-1852) foi um dos melhores representantes do realismo e tem em “Almas Mortas” sua obra-prima. Apesar de inacabada, o volumoso romance, ambientado no interior da Rússia imperial, tem como herói Pável Tchitchicov. Gógol nunca esteve no Brasil! Mas a “brasilidade“ de seu romance está na contemporaneidade com certas práticas sociais bem atuais no Brasil. Na Rússia do século XIX, o regime de servidão contrastava com o afrancesamento das classes abastadas; o Serviço Público era a matriz da ocupação da classe média, mas é na corrupção generalizada desta sociedade agonizante que enxergamos o primeiro ponto em comum com o Brasil atual. Tchitchicov, o herói-malandro, comprava servos já falecidos (as almas mortas) para auferir lucros na colonização de espaços vazios daquele gigante império; o governo pagaria com base na documentação da posse de tais servos, de fato, inexistentes.


Apesar da comicidade e saborosa leitura, o pano de fundo é a tramóia, a propina, o escamoteamento. Em toda obra só aparecem dois indivíduos honestos, isto que nos romances russos há dezenas de personagens. O primeiro destes honestos é Constangioglio, que é citado como não russo, deixando o leitor concluir que fosse italiano; é bem disposto, trabalhador, honesto e, vê no trabalho rural a mão divina que altera as estações do ano;
sua propriedade rural é exemplar. Queria Gógol nos dizer que entre russos não haveria homem com honestas relações com o trabalho? O segundo personagem honesto é o velho Murázov, que imbuído de grande bondade e abraçando a religião, recupera alguns degenerados; sugerindo que entre os mais religiosos ainda se encontravam pessoas de bons princípios.

Um segundo ponto comum com o Brasil, pode ser detectado em certas similaridades com Machado de Assis. O patrono brasileiro deve ter bebido na fonte de Gógol: a fina ironia, a comédia, o inusitado e o freqüente diálogo entre autor e leitor, são traços comuns a estes dois magos do romance. Como Gógol é mais velho, suspeito que Machado tenha se inspirado no russo. Desconheço análises literárias fazendo esta relação, mas, se ainda não fizeram, é um prato cheio para estudos acadêmicos.

Por fim, registro meu duplo pesar: meu idolatrado Machado de Assis ficou menor e minha preocupação com os rumos que nossa “brasilidade” tomou! Queira Deus e todos os santos do sincrético panteão religioso brasileiro que não precisemos amargar as tempestades como aquelas que os russos viveram para que endireitemos o país verde-amarelo. Gógol viveu na Rússia do século XIX, mas o Brasil de Gógol, é o assustadoramente corrupto, Brasil atual.  

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